sábado, 7 de novembro de 2009

Começava assim: “Meu querido amigo, tenho pensado em você, alguma coisa meio pensar muito e ter vontade de um abraço”. Começava do único jeito que poderia começar, aquele jeitinho de dizer com os olhos miúdos que tem sentimento e precisa de amores, companhia para dias sem graça, garrafas e garrafas de café, discutir a loucura Caiana, a suposta igualdade social que o PT defende mascarando a miséria, marlboro azul, contar como o dia foi tão démodé e como a gente seria feliz num barzinho em Paris.Uma carta num envelope verde, escrita em folha vermelha com caneta preta. Não, não é uma coisa previsível. É uma coisa característica, sabe? As pessoas confundem previsível com característico, na verdade não é bem assim que funciona. Mas também se fosse simplesmente previsível: sem problemas, é um sinal de que as coisas estão do mesmo jeito, o que é extremamente bonito e positivo. Amadurecer e continuar a mesma pessoa. Não é sublime? É. Ao longo da carta contou como os dias estavam sofridos e como era dolorido ser “gente crescida” e a barra da saia da mãe era um refúgio ao qual precisava correr em disparada para “acalentar um coraçãozinho solitário”, contou também que sofria de romances, daqueles bem intensos que fazem um auê lindo na vida, romance que faz querer mudar planos e esconder coisas já vividas, citou a cena em que Amèlie precisa de fermento: ERA SÓ O FELINO. O coração de quem lia partiu, CLACK, foi possível ouvir o trincar do peito lá da esquina onde os bêbados jogavam cartas e bebiam suas cervejas. Mais adiante da narrativa contou coisas bonitas, coisas leves, umas coisas meio estou-muito-bem-e-quero-ficar-ainda-melhor. Falou coisas que o leitor jamais poderia imaginar, o que fez com que uma gargalhada exagerada lhe rompesse a garganta e preenchesse todo o quarto enfumaçado e triste. Disse também que o leitor precisava viajar, fazer visitas e conhecer algumas – determinadas – pessoas, o que alavancou uma ponta de ciúmes, mas tudo bem, essa parte é prevista: pessoas são renováveis. “Meu amigo coraçãozinho manteiga derretida, sinto sua falta e te mando o abraço e o beijo via pensamento, feche os olhos, respire, é teu.” O leitor sorriu e sentiu um gostinho salgado no canto direito do lábio superior. Sorriu novamente, releu.

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